A Segundinha

Transcrevo neste post o texto de Ailin Aleixo, que é autora de  ’Só os Idiotas são felizes‘ e da coluna ‘Sem Frescura’ da Rev.Criativa. O texto é sobre a rotina da amante…Concordo em gênero, número e grau!

Quando a maioria ouve a palavra ‘amante’, logo imagina uma “femme fatale”, sem se dar conta, que a mulher que aceita esse tipo de relação é absurdamente submissa ( pois sabe que seu lugar é o segundo plano) e carente (por se contentar com tão pouco).

Vou levantar algumas questões, mas não vou respondê-las. Quero incitá-los a rever certos valores que conhecemos bem, mas por comodidade não associamos…

Sempre me refiro a mulher, porque é ela quem diz sim ou não no início de uma relação, e isso independe de quem foi a iniciativa – mas após a consumação, traição é a dois e são dois os culpados.

Uma mulher que destrói uma família para conceber a sua, merece compreensão?

Um homem ou mulher que trai a sua família, merece uma segunda chance?

Você é daqueles(las) que acham que quem não janta em casa come na rua? – Escrevi de forma grotesca, para enfatizar o absurdo da sentença.

A rotina da Amante
por Ailin Aleixo

A segundinha é como água: se molda. A qualquer horário, qualquer ambiente, qualquer humor. Possui também a rara habilidade de se encaixar na vida do homem que ama sem tomar o espaço útil destinado as tralhas dos filhos, ao cachorro, ao trabalho e, claro, à mulher.

Morre de ciúme quando imagina os dois juntos, tranqüilos, no sofá da sala que construíram para passar a vida. Se rói de ódio mas não reclama porque, quando entrou na historia, já sabia quem era a protagonista.

Mas segundinha que é segundinha sempre nutre a esperança de que a fulana vá parar em outra peça, com outros atores, e o deixe todo para ela, numa sala sem o peso dos anos. Num sofá só deles.

Segundinha que se preze tem todos os telefones dele, inclusive o da casa, mas não liga em horários importunos. Nada de sábados à noite, almoços de domingos, nem quando o filhinho pega no sono. Tem ótimo semancol e, apesar de querer profundamente implodir aquele casamento, sabe que não é por aí o caminho que os levará a ficar juntos (não sabe nem se existe o tal caminho).

Uma das coisas que ele aprecia nela, entre tantas qualidades enumeradas, é esse bom senso que consome o figado dela mais que talagada matinal de cachaça.

Ela se alegra em descobrir seus defeitos, aprender a lidar com eles, não acha-los tão insuportáveis assim. Admira-o, ouve suas narrativas e é tão boba que fica feliz quando nota que os dois já tem algo pra chamar de “história”, mesmo sendo escrita no rodapé, esmagada pelo corpo do texto do assunto principal.

A segundinha fica infeliz por não poder andar de mãos dadas na rua, nem apresentá-lo aos seus amigos ou tomar chope na calçada do Supremo numa noite quente de quinta. Então ela segue sua rota, tentando manter o mínimo de sanidade.

Tenta abstrair o clichê da situação e relaxar. Conhece alguém interessante, corre por fora para não ser pega pelo cheiro do outro, o olhar, o corpo,que cismam em morder seu calcanhar.

Às vezes até consegue enganar as lembranças e mergulhar num paraíso temporário sem horas contadas, choros incontidos. Assusta-se ao ver um homem em sua cama sem a necessidade de sair correndo.

Relembra como isso é aconchegante. Relembra como deseja que alguém durma com ela, acorde com ela. Mas não demora para a realidade escancarar a porta do quarto e deixar claro que aquele ser é tudo o que ela poderia querer, mas não quer.

Ela passa dias, meses, tentando não enxerga-lo em todos os homens que cruzam seu caminho. Uma das coisas que mais entristece a segundinha é poder, e não desejar, ser a primeira na vida de tantos outros.

É odiar ser a segundinha na vida de quem é o primeiro. E da forma mais intensa, o único.